terça-feira, novembro 20

O fotógrafo

Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto eu tentei. Eu conto:
madrugada, a minha aldeia estava morta.
Não se ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas.
Eu estava saindo de uma festa.
Eram quase quatro da manhã.
Ia o Silêncio pela rua carregando um bêbado.
Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?
Estava carregando um bêbado.
Fotografei este carregador.

Tive outras visões naquela madrugada.
Preparei minha máquina de novo.
Tinha um perfume de jasmim no beiral de um sobrado.
Fotografei o perfume.

Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.
Fotografei a existência dela.

Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo.
Fotografei o perdão.

Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa.
Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre.

Por fim eu enxerguei a
Nuvem de calça.
Representou para mim que ela andava na aldeia de
braços com Maiakovski – seu criador.
Fotografei a
Nuvem de calça e o poeta.
Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa
mais justa para cobrir a sua noiva.
A foto saiu legal.

Manoel de Barros, em Ensaios Fotográficos

Um comentário:

filos porque tequilas disse...

Graça, está muito legal.O projeto, as inserções. As pessoas participando. Demais.

Eu fiquei te devendo a imagem pois era tarde, e a minha máquina pessoal não estava carregada.

Prometo colocar baterias novas neste domingo, ok? beijos, beijos mil.